O OCASO DE UM VIRA-CASACA



Por Paulo Müzell - Fevereiro de 2019


FHC é, sem nenhuma dúvida, a maior expressão política da direita brasileira das últimas quatro décadas. Carioca, construiu sua carreira política em São Paulo, o centro do poder econômico e político do país.
 

Descende de uma família de militares; seu pai, o general do exército Leônidas Cardoso, foi um destacado ativista, ferrenho nacionalista que se elegeu deputado federal pelo PTB. Sob a liderança de Monteiro Lobato, teve destacado protagonismo na campanha “O petróleo é nosso”, que resultou na criação da Petrobras por Getúlio Vargas em 1953.

Militante de esquerda, FHC formou-se em sociologia, recebendo no início dos anos sessenta vários prêmios e reconhecimento acadêmico com a publicação “Dependência e desenvolvimento na América Latina”. Nesta etapa de sua vida ele parecia acreditar que era possível superar o crônico subdesenvolvimento do país, apostava na construção de uma nação forte e soberana. Sua obra tinha clara e forte influência de pensadores da Cepal, especialmente de Celso Furtado e de Raul Prebisch.

O golpe militar de 1964 obrigou-o a exilar-se primeiro no Chile e depois na Franca. Retornou em 1968 e, em 1974 filiou-se ao MDB.

Em 1983 FHC assumiu uma cadeira no Senado por São Paulo substituindo o titular, Franco Montoro, que se elegeu governador. Em 1988 deixou o PMDB, integrando um grupo de dissidentes que fundou o PSDB. Se o ano de 1983 marca a entrada de FHC como personagem do cenário político nacional, 1988 foi o que poderíamos chamar o ano da “virada”. FHC afirmou que o PSDB seria um partido com um olhar de centro com inclinação à esquerda, o que, logo se viu, nada teve a ver com a realidade. O PSDB logo mostrou a que veio, se consolidou como um dos pilares políticos do neoliberalismo. Arrocho fiscal, desregulamentação do setor financeiro, do comércio, terceirização, leia-se precarização do trabalho, estado mínimo, privatizações, abertura ao capital estrangeiro. No seu discurso o mercado livre, sem controles garantiria pela livre concorrência o avanço tecnológico e o aumento da riqueza. Na prática a gente sente na pele o que aconteceu: aumento do poder e do lucro do capital, especialmente o financeiro, redução dos salários e dos direitos dos trabalhadores, desnacionalização e mais concentração da renda e da riqueza. FHC deu um giro de 180º graus à direita, é claro. Ao ser cobrado foi muito claro, afirmou: “esqueçam tudo o que eu escrevi”.

Desde o final dos anos setenta os ventos do neoliberalismo sopravam com intensidade crescente na Europa, Nos Estados Unidos e, aqui na América Latina, no Chile. FHC viu que defender os interesses patronais e servir a nossa atrasada e entreguista oligarquia era o caminho mais fácil para chegar ao poder: no PSDB sua carreira política decolou. Apoiou Collor contra Lula no segundo turno das eleições de 1990. Collor renunciou, Itamar Franco assumiu a presidência e nomeou FHC ministro de Relações Exteriores e depois da Fazenda. O cargo de ministro da Fazenda foi para ele uma loteria: surfou no sucesso do Plano Real e se elegeu presidente da república nas eleições de 1994. Ficou oito anos no poder, de 1995 a 2002.

Seu governo acabou com o monopólio da exploração do petróleo da Petrobras, escancarando as portas para as petrolíferas estrangeiras. Mudou o conceito de empresa nacional, criando facilidades para a entrada de capitais internacionais. Abriu a navegação de cabotagem às empresas estrangeiras e num programa de grandes investimentos em gás canalizado facilitou a entrada de capitais externos ao proibir a participação da Petrobras. O entreguismo foi uma marca registrada do seu governo. Implementou um grande programa de privatizações marcado por denúncias de corrupção. O jornalista Amaury Junior no seu livro “A privataria tucana” apontou desvios bilionários, solidamente documentados ocorridos nas privatizações da Vale, da Telebras, e dos bancos estatais, dentre outras. O próprio FHC, seu filho Paulo Henrique, Gustavo Franco, José Serra, Tasso Jereissati, dentre muitos e muitos outros integrantes do seu governo foram denunciados. Através de contas CC5 mais de 20 bilhões de dólares – resultados das pilhagens - foram irregularmente transferidos através de paraísos fiscais para o exterior. Ilicitudes na SUDAM e na SUDENE desviaram dos cofres públicos mais de 2,4 bilhões de reais, montante expressos a preços da época. Nenhuma denúncia teve qualquer consequência: além de blindado pela Globo e demais veículos da grande mídia, FHC colocou na Procuradoria de República Geraldo Brindeiro, que ficou conhecido como o “Engavetador Geral da República”.

FHC deixou um péssimo legado. Seu sucessor assumiu no início de 2003 um país com alto desemprego, elevada dívida pública interna e externa, reservas cambiais zeradas e uma inflação num patamar alarmante, ameaçando disparar. Um melancólico final de governo.

Completara 71 anos quando transmitiu o cargo a Luiz Inácio em janeiro de 2003. De lá para cá, ao longo desses quinze anos viveu das glórias passadas e novas honrarias que delas decorreram e se agregaram. Virou presidente de honra do PSDB, título que hoje não deve ser motivo de muito orgulho: o partido teve um Aécio Neves na presidência. Recebeu vinte e nove títulos de “Doutor Honoris Causa” e é membro de dezenas de conselhos consultivos de institutos, clubes e outras entidades internacionais. Tem colunas nos grandes jornalões – Globo, Estado de São Paulo -, amplos espaços na grande mídia assegurados pela atrasada oligarquia brasileira, uma forma de o recompensar pelos serviços prestados.

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