VAMPIROS: UMA SAGA DE TERROR E PRAZER




O mito do sugador de sangue – o vampiro – é milenar. Está lá na mitologia grega, povoou o imaginário e o folclore dos povos africanos e europeus, sendo particularmente cultivado pelos eslavos que de pai para filho repetiam estórias sobre este ser das trevas, maligno e sedutor. Ele é um arquétipo humano, uma representação de nós mesmos: vivemos numa sociedade em que poucos “sugam”, exploram muitos: essência da sociedade humana e do capitalismo. 

 Paulo Müzell - fevereiro de 2019

Na literatura o mito vampiro existe há apenas dois séculos. John Polidori, discípulo de Lorde Biron publicou em 1819 um romance que introduziu o personagem. Teve um sucesso fugaz, foi logo esquecido. Muitas décadas depois, no final do século XIX é que o mito vampiro voltou a assustar, excitar e a divertir o grande público.

Em 1897 Bram Stoker publicou o clássico “Drácula”, inspirado na figura do conde Vlad Tepes, o empalador da Transilvânia, atual Romênia. A saga começa com a mudança do conde Vlad para Londres. As aparições do conde – acompanhados da visão de um grande morcego – são sucedidos por rastros de horror e mortes. Ele ressurge do seu túmulo em busca do renascimento, da eternidade. Sacrifício com sangue e ressureição: temas recorrentes, presentes na origem das religiões.

Em “Totem e Tabu” Freud observa que a chacina do pai na horda primitiva – uma resposta ao seu poder tirânico – após o banquete canibalesco gera um sentimento de culpa: o pai ressurge na figura do totem. Morto ele se torna ainda mais poderoso do que em vida.

O mito do vampiro parte daí agregando um novo elemento, uma pitada que traz sucesso à fórmula: o apelo erótico. Eros e Tanatos, os dois impulsos vitais opostos, na verdade muito próximos, se fundem como aspectos de uma mesma realidade.

Um ser sinistro, pálido – não suporta a luz solar – emerge das trevas com enorme vitalidade, com o poder de seduzir e de subjugar. Másculo, forte, oculto sob o manto da noite sai do caixão na busca da imortalidade. O vampiro é um homem alto e belo: no cinema seus intérpretes foram escolhidos a dedo.

Seus alvos são as mulheres inglesas do final do século XIX, oprimidas pelos rígidos padrões da moral vitoriana. Casadas, viúvas, noivas e virgens solteiras, nada escapa da voracidade do Conde. Transformado em morcego penetra na intimidade das alcovas de suas vítimas. Momento culminante, “frisson”: volta à forma humana e crava seus poderosos e percucientes caninos nos lindos e delicados pescoços das indefesas donzelas. A partir deste momento elas passam a estar submetidas ao seu maligno poder, são ”noivas do Drácula” que constitui assim um verdadeiro harém macabro, versão renovada do mantido pelo patriarca da horda primitiva. Como vítimas, as donzelas cuja intimidade foi violada permanecem puras, isentas do sentimento de culpa. A fórmula é engenhosa, adequada aos padrões morais da época. Nasce um personagem de vida longeva, o Conde Drácula, início de uma verdadeira “saga vampiresca”, um fenômeno de massa, rico filão explorado pela literatura, cinema, televisão e teatro há mais de cinco gerações.

Bela Lugosi foi a primeira versão do Conde. O sucesso do filme deu origem a uma série. Bela Lugosi ficou tão obcecado com o seu personagem que determinou que os seus herdeiros o sepultassem com o figurino do Conde. Conta a lenda que Peter Lore outro ator famoso presente no seu enterro (1957) teria comentado com Vincent Price: ...”não deveríamos, por precaução cravar-lhe uma estaca no coração?”

Dos anos cinquenta até meados dos anos setenta a Hammer produziu uma outra série de grande sucesso, tendo como atores a famosa dupla Peter Cushing e Christopher Lee.

Em meados dos anos oitenta duas escritoras americanas, Anne Rice e Stephanie Meyer deram uma guinada no gênero, um giro de cento e oitenta graus. Os vampiros vão paulatinamente adquirindo características humanas, passam a ter sentimentos, paixões, buscam um sentido para suas vidas. Relutam em tirar vidas humanas, passam a se alimentar apenas com sangue de animais. Começa um rápido processo de humanização do herói-monstro. Meyer, autora da saga “Crespúsculo” vai além das mudanças de Annie Rice ao criar um personagem que desiste de se alimentar com carne passando a ser vegetariano! Vampiros deixam de ser noctívagos, podem viver à luz do dia. O mito é desconstituído, é formatado para atrair e agradar plateias adolescentes.

José Mojica Marins, o nosso famoso Zé do Caixão, o mestre do terror do cinema brasileiro reagiu prontamente. Ele afirma, com razão que o verdadeiro filme de terror não pode fazer concessões, não comporta modismos modernizadores. Uma obra perde consistência se abandonar suas raízes, sua fidelidade às lendas do folclore que a inspiraram. Em recente entrevista ele resumiu seu desprezo pela os filmes da saga “Crepúsculo” numa curta frase: ...”são umas fitinhas para boiolas!”.

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